segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

02

Ainda me lembro da última vez que estivemos juntos. Estavas ali parado, a meia-luz, enquanto eu me aproximei pelas sombras e te olhei nos olhos. Nada em ti tinha mudado à excepção da expectativa que brilhava no sorriso falso.
Eu ali, confiante que precisava de ti. Tinha ultrapassado todos os desejos silenciados e moldei-os na boca enquanto me chegava ainda mais perto e te sussurrava ao ouvido. As mãos tremiam-me pela verdade que esperei anos para te dar. Era o fim dos jogos e das histórias e o início da minha realidade fantasiada.
Em jorros, verti todo o meu coração sobre ti. Cortei a minha alma ao meio e ofereci-te metade. Mas continuavas inerte, a luz reflectida na tua pele. Estavas frio quando te toquei e não foste capaz de dizer uma palavra. Calei-me. Estava no reino do silêncio e tu eras o rei.
Pela primeira vez precisei do teu corpo e tu transformaste-te em estátua. Os teus traços de pedra eram o esboço da tua emotividade. Não mexeste sequer um dedo, mas a tua faca fez-me um corte profundo que até agora ainda não aprendi a suturar.
Escorreguei pelo teu ombro despido e tentei agarrar-te o braço. Mas caí ao chão porque não estavas ali.

E eu ainda aqui estou, sobre a madeira pisada, à espera de te ver mexer, de sentir que esse sorriso é real, enquanto a esperança sangra para fora do meu corpo. Até lá, como poderei esquecer?

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