quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

01

O tecto desenhava-se nas formas da noite que o acordou - pairava dois metros acima dele, como se estivesse prestes a cair e a esmagá-lo naquele silêncio do respirar adormecido ao seu lado. Levantou-se sem espreitar no escuro e vestiu-se. Cada segundo ali parecia mais impossível que o anterior. O desejo que há algumas horas o cativara transformava-se numa prisão.
O espaço era quase vazio, mas asfixiante. Caminhou até à porta sem se despedir. Quando destrancou o trinco respirou profundamente. O mundo estava lá fora.

'Quando voltas?' A voz soou do abismo atrás de si, como se desse pela primeira vez um verdadeiro sentido ao corpo que jazia ainda inerte por entre os lençóis.

'Não volto.' respondeu sem piedade. A realidade era crua, mas consideravelmente mais justa.

'Finge.' A palavra ecoou infinitamente. Não era uma ordem, nem um pedido. Também não era desesperada. Era a pura condição deserta. Sem forma física, era o que restava de todo o processo que esmagara o sentido que comanda o sonho.

'Até amanhã.' Não olhou para trás. A porta fechou-se e o quarto eclipsou-se para sempre.